UA-119529251-1 Facundo de Zuviría | leporello
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Objetiva/ Facundo de Zuviría e seus frontalismos portenhos

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No início de 2016, o fotógrafo argentino Facundo de Zuviría (1954) realizou sua segunda mostra individual no Museu Lasar Segall de São Paulo. Intitulada de Frontalismo, Zuviría retornou ao mesmo museu que, em 2014, abrigou sua primeira exposição em terra brasilis, “Cada vez te quiero más”, dedicada ao time de futebol de seu país natal Boca Juniors. Essa nova estadia do fotógrafo na cidade possibilitou uma vez mais ao público paulista o contato com a representação do espaço urbano da capital argentina através de suas tomadas. Contudo, a abordagem e cenas captadas por ele fogem do espaço mítico europeu que a cidade de Buenos Aires costuma normalmente ocupar na imaginação dos brasileiros.

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A mostra Frontalismo apresentou uma série de 36 fotografias realizadas entre os anos de 2001 e 2003 em Buenos Aires e que já haviam sido parcialmente publicadas no livro de artista "Siesta argentina" de 2003. Se, num primeiro momento, as imagens de Zuviría costumam ser vinculadas à influência e ao legado vanguardista recebidos de seu compatriota Horacio Coppola (1906 - 2012), como observou o historiador urbano Adrián Gorelik: „(Zuviría) é provavelmente o fotógrafo mais coppoliano de Buenos Aires“, observa-se, por outro lado, que dita série apresenta uma atmosfera urbana regida por uma representação realista de solidão e de desolação estática quase fantasmagóricas – elementos que nos remetem também ao espírito de isolamento e estaticidade da urbe nas obras do artista plástico norte-americano Edward Hopper.

 

A ausência de seres humanos nas tomadas dos bairros portenhos por Zuviría potencializa o efeito dramático e silencioso de seus frontalismos. A sensação de estabilidade de sua câmera, uma vez que ela nos oferece um ângulo normal e frontal das fachadas de comércios, é desestabilizada pelos sequenciais significantes de janelas e portas de negócios fechados e os quais brindam o observador com um significado comum: os fragmentos de uma crise econômica que assolou o país há quase duas décadas, também conhecida como Coralito. Janelas e portas, protagonistas em primeiro plano e apresentadas visualmente fechadas, evidenciam um poderoso e simbólico efeito de presença: a presença do caos social, humano e econômico desse período. Além disso, a representação dessas fachadas contem um duplo poder: o poder de apresentar um tópico substancial para a reflexão e memória - algo que nos leva a refletir sobre os motivos e os contextos para tais frontalismos fechados - e o poder de constituir-se como um sujeito próprio e legitimamente estético já que, uma vez visualizados sequencialmente e sob uma certa velocidade ocular, as tomadas uniformes adquirem o ritmo cinético de uma película de filme.

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Uma Buenos Aires silenciosa, vazia e em estado de interminável “siesta” é retratada com um radical formalismo estético. De forma metódica, as fachadas simétricas de 8,66 cm obedecem a uma rígida sequência de “janela-porta-janela” em um incansável processo de automatismo de repetição. Uma repetição que serve como um primordial alerta coletivo de uma experiência de vital aprendizagem do passado.

 

Em uma recente entrevista publicada na revista alemã Kulturaustausch (Intercâmbio cultural), o renomado neurologista Eric Kandel afirmou que somos quem somos porque aprendemos algo de nossas recordações do passado, daquilo que nos lembramos de experiências passadas. Sem nossas recordações levaríamos uma vida insignificante e, ainda segundo o especialista, manter ativa uma recordação em nossa memória equivale a uma experiência de aprendizagem, pois estimulamos no tempo presente o trabalho de novas zonas de nosso cérebro. Partindo desse ponto de análise, pode-se observar que o Frontalismo de Facundo de Zuviría busca, a partir da repetição consecutiva dos aspectos figurativos das fachadas frontais, exercitar e reativar uma memória coletiva da sociedade argentina. Com isso, ele é capaz de provocar uma experiência de aprendizagem no observador de suas fotos ao trazer à tona imagens de um passado coletivo argentino e, simultaneamente, estimular o trabalho de retomar esse passado em seu presente, buscando aprender de outrora para afirmar-se no agora. A narrativa interna contida em cada um de seus frontalismos estimula a formação de intercâmbios e diálogos entre significantes/significados/observadores, já que suas fotografias podem ser lidas como grandes crônicas de uma época passada, mas que, além de conter poderosos retratos e recordações da paisagem humana e social de uma Buenos Aires não muito distante, nos serve de advertência no momento presente justamente em um período de mudanças drásticas. 

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Observações: 

  • Este texto foi publicado originalmente em espanhol no portal argentino de arte www.ramona.org.ar em fevereiro de 2016.

  • As imagens aqui usadas foram gentilmente cedidas pela assessoria de imprensa do Museu Lasar Segall de São Paulo.

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